Trago em meu peito a dor
Da minha terra o calor
Do meu povo os gemidos
Tenho a mente estraçalhada
Tenho a face enrugada
Dos anos aqui sofridos
As lembranças de menino
Dos cavalos dos beduínos
A percorrer o deserto
A dor da revolta
O fechar de minhas portas
Sem perguntarem se era certo
Tenho as imagens ainda
Tão longe que não finda
A dor de todos os meus
Dos negros que choravam
Das lágrimas que rolavam
Dos olhos negros como breu
Os velhos na labuta
As crianças na permuta
Faziam parte desse horror
Do circo que se formava
Vendendo as belas escravas
Que causavam grande furor
Coitadas dessas mães lindas
Que vendo seus negrinhos
Tirados do próprio ninho
Cercavam-se de tristeza
Coitadas dessas moças
No leito, nas matas
Que faziam para jogá-las
Porque não para abatê-las
Como aves que iriam
Para o fim de seus dias
Ter seus sonhos castrados
Ter nos dias vindouros
Lembranças do abatedouro
Filhos não negros, mas mulatos
Coitado desse povo
Que vive sofrendo aqui
Chamada nação zumbi
Como se não fossem filhos dessa terra
Coitado dos desgraçados
Com seus sonhos estilhaçados
Com o furor das grandes guerras
Se no seu país se sonhava
Com liberdade e consolo
Aqui eram seres sem miolos
Seres sem coração
Paravam em qualquer parte
Deitava-lhes o branco a sorte
E ali seguiam em multidão
Marchavam pela floresta
Fugiam pela mata à fora
Faziam as vezes festa
Cantavam as aves canoras
Seu canto era como o gemido
De um povo muito sofrido
Abatido pelo mal
Ninguém nunca dantes
Sofrera como meliante
Vivia como animal
Ah! Recordações escravas
Por que escravo fui também
Ah! Recordações amargas
Que não desejo a ninguém
Sofri na casa de minha mãe
Vendo tantos meus partindo
Que ainda iam sorrindo
Deixando a pátria para trás
Não importava se fosse da Angola
Não ligavam se eram da Nigéria
Seguiam a mesma miséria
Junto o grito de dor que assola
Mãe África por que o abandono?
Por que Deus esqueceu-se de nós?
Dizei-me você do desengano
Por que o sofrimento atroz?
Hoje tenho aqui renascido
Acalmado meus gemidos
Pelos quilombos da vida
Tenho meus olhos marejados
Dos dias sacrificados
Tenho sanado as feridas
Venho-te negro imundo
Venho-te branco traidor
Venho-te no novo mundo
Revelar-lhe a minha dor
Tens me aqui amigo
Como um que já viveu
Na senzala como abrigo
E lá esse negro morreu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário