terça-feira, 13 de abril de 2010

Falibilidade Humana

Dentro do histórico das crenças e da fé, conduzido através dos tempos, identificaremos opiniões egoístas que se diziam detentoras da verdade; apontaremos rituais e práticas que, antes de auxiliarem as pessoas, manipulavam as mentes frágeis e as dominavam; realçaremos a superficialidade das revelações espirituais por parte de alguns que, a qualquer custo, tentavam se firmar como gurus ou como personalidades importantes da fé; veremos Papas envolverem-se em conflitos políticos e materialistas, participando até mesmo na condução de guerras que ceifaram a vida de milhares de pessoas; lograremos encontrar o separativismo das religiões que pregam a paz, mas, sendo rivais, motivam conflitos violentos criados pelo fanatismo da imposição da crença.

Os seres humanos, falíveis, acabam por fazer de suas religiões - por mais puras que estas sejam – crenças totalmente frágeis, introduzindo as suas mazelas de interpretação pessoal no conjunto de preceitos de suas doutrinas, que irão agir como vírus vorazes a corromper e a deteriorar os pilares de sua fé.

Analisemos o passado da humanidade em busca das evidências religiosas que nos indiquem os pontos em que os indivíduos expoentes das religiões se equivocaram, e, dessa forma, poderemos vislumbrar que foram inúmeros os erros cometidos por parte das crenças na interpretação dos mecanismos divinos.

Quantas idéias e quantos dogmas religiosos a ciência teve que rejeitar por se mostrarem infundados e mesmo impossíveis de serem reais? O conhecimento científico moderno – ampliado a partir do século XIX – permitiu, que os preceitos das doutrinas ligadas à religião, fossem revistos sob um olhar crítico e observador, amplamente comprometido com a verdade.

Para as pessoas, era fácil acreditar nas alegorias e até mesmo nas narrativas mitológicas de muitos dos textos tidos como sagrados. Isso era comum, pois, não havendo o incurso da razão, devido à carência de conhecimentos específicos no passado, o homem se apoiava no sobrenatural para explicar os incontáveis fenômenos que o universo apresentava. Em toda parte do globo terrestre surgiram as práticas religiosas e suas características teológicas, cada qual à sua maneira, tentando dar explicações sobre os eventos extrafísicos.

É evidente que o homem sempre carregou consigo a idéia da sua natureza espiritual. Também é fato que a mediunidade sempre esteve presente na vida do homem desde os tempos mais remotos. Porém, as fantasias nas interpretações dos fenômenos espirituais eram predominantes, uma vez que não havia maturidade racional para analisá-los e até mesmo estudá-los. Esta foi a razão de Jesus ter dito que não poderia dizer muito à respeito das coisas do céu, porque nem mesmo das coisas da Terra nós sabíamos. Era preciso que o mundo terreno nos fosse revelado antes, cabendo aos trabalhos científicos essa tarefa. Só depois dessa revolução no saber que o mundo espiritual poderia ser revelado com exatidão, isento de criações mentais ilusórias e folclóricas.

Foi em meados do século XIX que tal observação foi comprovada. O Espiritismo nasce para o mundo em 1857, onde o conhecimento científico abrigava explicações suficientes para lhe sustentar os conceitos. Espíritos superiores trouxeram ao mundo as respostas tanto buscadas no passado. O homem seria explicado em sua essência – a realidade espiritual - através do pensamento racional e científico. Toda a codificação espírita seria conduzida da mesma forma que todo trabalho sério no campo da ciência. Sem dar espaço às explicações fantasiosas, Allan Kardec, dedicou-se a analisar, a comparar, a questionar e a comprovar os fenômenos e as teorias que se lhe apresentavam, valendo-se dos mesmos métodos da ciência material. Hoje temos, graças a este homem da ciência, o que ele chamou de fé raciocinada, ou ainda, de fé inabalável, que segundo as suas próprias palavras, é aquela que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da humanidade.

Concordamos que, a partir daí, o pensamento em torno da alma humana tornou-se uma filosofia bem organizada e totalmente destituída de teses vazias, completamente diferente das doutrinas fantásticas do passado. A doutrina espírita andará ao lado da ciência, tendo os seus postulados constantemente atestados por esta última, como se verificou nas pesquisas dos grandes nomes das academias científicas. Personalidades como William Crookes, Alexandre Aksakof, Cesare Lombroso, Gustav Geley, Charles Robert Richet – prêmio Nobel em Fisiologia –, e outros muitos cientistas que se ocuparam dos fenômenos chamados mediúnicos, provaram por meio de métodos científicos a existência do Espírito, este ser que personifica a verdadeira condição existencial de cada ser humano.

Desde o seu surgimento, o Espiritismo se espalhou pelos diversos pontos do planeta. Instituições foram criadas para abrigar o estudo da sua filosofia e para fomentar a prática mediúnica de caráter sério e instrutivo. A nova revelação tinha, a partir de então, a missão de levar ao conhecimento dos homens as elucidações a respeito de seu destino no universo: “a criatura humana não estava destinada a encerrar-se nos túmulos dos cemitérios. Cada indivíduo é um Espírito, ser inteligente e imortal, que viveu e que viverá outras vidas, em outros cenários e em diferentes épocas, ascendendo em direção à perfeição.”

Entretanto, é útil lembrarmos do assunto introdutório, avaliando o processo de confusão em que se perderam variadas correntes do pensamento religioso. Ainda somos seres rudimentares em se tratando de evolução espiritual e, portanto, de evidente fraqueza moral - almas logicamente falíveis. Se nos reservamos o direito de questionar a infalibilidade dos representantes de qualquer crença, por que razão nós estaríamos isentos de tais questionamentos? Os espíritas são iguais a todos os outros homens e, como eles, têm os mesmos defeitos e imperfeições, que precisam ser levados em conta durante a condução do movimento doutrinário e nas suas respectivas decisões.

Alguns afirmarão, contudo, que a doutrina é perfeita e não entra em contradição. Sim, os Espíritos superiores desenvolveram, nas cinco obras básicas de Kardec, um conjunto de ensinamentos de lógica inegável, sem precedentes para dúvidas ou mistificações, ou seja, uma ciência clara; uma filosofia plena; uma religião pura. Mas está na falta de compreensão desses postulados e na falta do estudo profundo da revelação espírita o que podemos chamar de “erva daninha” do movimento espiritista.

O espírita desavisado, ou desinformado doutrinariamente, contribui para a deturpação dos postulados do Espiritismo, já que as suas suposições de pouco conteúdo farão com que as atividades das quais participa sejam realizadas de maneira incompleta e incorreta, sendo preenchidas com práticas e conhecimentos claramente provindos de outras escolas do pensamento, chegando a ser, muitas vezes, claramente antagônicas aos princípios das “obras kardequianas”. Eis o motivo pelo qual muitas das instituições espíritas importam atividades, filosofias alternativas e passatempos de diversos setores da sociedade, totalmente alheios aos conhecimentos doutrinários: a falta de dedicação no que concerne ao entendimento preciso do Espiritismo.

É assim que se introduzem as revoluções na prática espírita e surgem as “novas revelações” dentro do movimento. Revelações que, de fato, não passam de velhos hábitos do homem, que se compraz em permanecer no escuro das teorias folclóricas e no engano dos rituais estritamente materialistas.

Torna-se fácil perceber que com a mediunidade não é diferente, pois, trata-se de uma atividade de grande importância para a prática do espiritismo. A reunião mediúnica é um dos principais alvos dessa “erva daninha”.

A influência do nosso passado mágico bate à porta. Um pretérito de encarnações como seres de desenvolvimento intelectual reduzido, escravizados durante milênios na crença mitológica e ávidos por entrar em contato com o mundo dos Deuses, ressurge, de maneira intensa, excitado pelos arquivos do inconsciente. É assim que, diante da possibilidade de vasculharmos o invisível através da mediunidade, ansiosos por nos comunicarmos com os Espíritos, lançamo-nos à prática mediúnica. Muitos de nós nos colocamos como candidatos a possíveis médiuns por curiosidade, outros muitos por vaidades travestidas em humildade, porém poucos são os que realmente se comprometem com o trabalho e com estudo sério. Não é raro encontrarmos comunicações inconsistentes dentro das casas espíritas; não é difícil identificarmos pseudos médiuns dentro dos grupos mediúnicos; preocupações nos invadem constantemente, pois, sabemos que há nas instituições espiritistas dirigentes e freqüentadores que aceitam todas as comunicações mediúnicas como verdades absolutas, esquecendo-se da necessidade de se avaliar tais comunicações minuciosamente, contestando ou comprovando os dados que estas apresentem.

É nessa hora que o entendimento do processo mediúnico se torna importante, pois, passamos a controlar a faculdade e, acima de tudo, enxergamos, definitivamente, que não se trata de um fato milagroso ou surreal, mas sim de um fenômeno explicável, racional, isento de superstições. O médium passa, então, a ser um trabalhador munido de uma ferramenta comum de trabalho, podendo realizar a sua tarefa com confiança e conhecimento de causa, sem deixar-se levar pelas ilusões da imaginação.

Cabe a nós nos indagarmos com freqüência: Como será que os médiuns atuam nos dias de hoje, que tipo de mensagens recebemos em nossas casas espíritas, como encaramos as comunicações que chegam até nós?

Será que estamos sendo verdadeiramente eficientes na condução do espiritismo experimental, através do fenômeno medianímico, agindo como observadores e estudiosos freqüentes?
Para nós, os perigos que rondam a Doutrina Espírita estão caracterizados na tentativa de “igrejificar” a Doutrina Espírita, de preenchê-la com dogmas contestáveis, de instaurar práticas ritualísticas, de priorizar a realização de festividades ou de solenidades que fazem do centro um mero ambiente de exibição social, e, principalmente, a mania que se tem de introduzir conceitos infundados a respeito de qualquer postulado que a Filosofia Espírita apresente.

É necessário, portanto, escolhermos o destino que queremos dar ao Espiritismo. Uma crença fragilizada, onde haja lugar para erros e desfile das vaidades pessoais, ou uma fé robusta, que traz em seu seio as respostas a respeito do destino de todos os homens, buscando conduzi-los na construção de um mundo novo?
Henrique Silva Pirola